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Revista Zena

 

Glitter, cola e contos de fadas: um mundo de Jamie Vasta

 

“Bárbara, dá uma olhada no trabalho de Jamie Vasta! Ela faz altas coisas legais com glitter e cola. Tenta fazer uma entrevista com ela”. Foi esse o e-mail que recebi da Revista Zena. Glitter e cola? Imaginei logo umas figuras meio abstratas, meio brilhantes – bonitas até -, mas um pouco desfiguradas, afinal o glitter deveria ser um material difícil de manejar.

Por Bárbara Buril // segunda-feira, 14 de junho de 2010

 

“Bárbara, dá uma olhada no trabalho de Jamie Vasta! Ela faz altas coisas legais com glitter e cola. Tenta fazer uma entrevista com ela”. Foi esse o e-mail que recebi da Revista Zena. Glitter e cola? Imaginei logo umas figuras meio abstratas, meio brilhantes – bonitas até -, mas um pouco desfiguradas, afinal o glitter deveria ser um material difícil de manejar. Coloquei no Google: “J-a-m-i-e V-a-s-t-a”. Plim! Uma enxurrada de informações, vídeos no Youtube, imagens, sites de galerias de arte… Até que essa artista faz sucesso! As imagens, as imagens, cadê? Cadê o glitter das figuras abstratas?

 

Enganada, eu estava. Diferentemente de muitos artistas contemporâneos, Jamie não decidiu usar um novo material, o glitter, apenas para “inovar”. O trabalho é elaborado, tanto que, à primeira vista, pensei: “Quem foi que disse que isso é feito de glitter? Isso é pintura a óleo!”. Só com muito talento, além de treinamento, é claro, Jamie conseguiu imprimir – com glitter, assustem-se! – sombra e perspectiva. O resultado é uma arte madura, agradável aos olhos e, principalmente, questionadora. A profundidade temática está ali, dentro da profusão de brilhos do glitter, um “espelho colorido”, como a própria artista definiu.

 

Muito simpática, Jamie me concedeu uma pequena entrevista: falou da constante presença feminina nas suas obras, questionou as ideias binárias de gênero e defendeu um modo de vida mais libertário, longe dos ditames que insistem em reger o comportamento das pessoas. Como uma alma rara, agradeceu o meu interesse em seu trabalho. “Não, Jamie, o encanto não veio de dentro pra fora, mas, sim, de fora pra dentro”, pensei.

 

O papo segue abaixo.

 

Revista Zena – Jamie, seu trabalho é muito diferente, uma vez que é feito de cola e glitter. Como você se inspirou para trabalhar com estes tipos de material?

 

Meu treinamento é com pintura a óleo, mas eu sempre estive interessada em materiais alternativos, orientados para algo mais artesanal. O glitter me lembra uma certa feminilidade. É um artesanato barato, mas dono de glamour e teatralidade.  Mas como uma superfície, o glitter também tem um alto nível de atividade, uma qualidade transcendental que me lembra um espelho colorido. Eu comecei a trabalhar com este material quando eu era somente uma estudante de artes plásticas – depois de me tornar alérgica à toxicidade da tinta a óleo. Depois disso, comecei a tentar usar outros materiais que não me deixassem doente. Tentei vários – bordado, crochê, mas rapidamente comecei a gravitar em direção ao glitter, e, hoje, trabalho com isso já faz mais de dez anos.

 

Revista Zena – Assim como artistas contemporâneos, você procura o novo conceito de criação de arte através do uso de novas ferramentas. Para você, há algo muito positivo ou negativo nestes novos usos?

 

Creio que, na arte contemporânea, as regras estão amplamente abertas. Você pode fazer arte de qualquer forma. Eu amo isso. Penso que esta possibilidade oferece ao artista o senso do mágico no mundano – se você pode fazer arte com qualquer material e assunto da vida cotidiana, você pode começar a ver arte em todos os lugares, em tudo o que você fizer. Apesar disso, eu também amo e admiro a pintura tradicional. Acho que é importante ter os dois – carregar as linhagens da arte que vieram antes de você, e o bom gosto de jogar e inventar algo novo.

 

Revista Zena – As personagens das suas pinturas são representadas em uma atmosfera muito pesada. Por que isso?

 

Há muitos anos atrás eu comecei o que eu acredito que seja o meu trabalho atual, pintando exclusivamente paisagens. Eu tinha acabado de me mudar da Califórnia para a costa leste dos Estados Unidos e fiquei realmente apaixonada pelas paisagens aqui – a natureza é muito mais grandiosa e dramática do que a do local onde eu cresci. Gradualmente, meu trabalho deslocou as paisagens de personagem principal para o cenário de narrativas. O trabalho que faço atualmente é primordialmente inspirado em conto de fadas, que normalmente estão situados em uma paisagem pré-moderna – escura, composta por florestas tenebrosas ou pequenas vilas agrícolas, mas raramente cidades. Eu gosto de colocar meus personagens neste viçoso e feroz ambiente porque eles situam a história fora de um tempo específico e a coloca dentro de um arquétipo.

 

Revista Zena – Quem são as duas mulheres que você pintou na série de quadros mustn’t? Finalmente, elas se amam ou se odeiam?

 

Para as peças desta série, eu imaginei uma história sobre um jovem, em aventura, que encontra duas donzelas sobrenaturais na floresta – um começo bastante comum em conto de fadas. O que há de diferente é que eu desloquei o ponto de vista do homem para o das mulheres, transformando-o, ao contrário do herói tradicional dos contos de fadas, em um intruso indesejável no mundo das mulheres. As duas, como eu as imaginava, são volúveis, predadoras, possivelmente irmãs incestuosas, fechadas em suas próprias lutas, suas próprias histórias, interrompidas pela aparição do caçador mortal. Mas eu também queria deixar as peças abertas o suficiente para que os observadores pudessem criar suas próprias histórias, não menos válidas que as minhas. Desta forma, se cada um der uma interpretação própria, as peças podem ser independentes umas das outras, sem necessitar da série inteira para ter um sentido total.

 

Revista Zena – Como mulher, você acredita que as suas pinturas quebraram a antiga ideia de que as mulheres têm que ser um templo de amor?

 

As mulheres, nas minhas pinturas, são sempre as únicas com poder. Embora elas sejam bonitas, são também as jogadoras ativas no drama da pintura – não estão esperando passivamente para serem observadas. Como uma mulher e uma feminista, eu rejeito as ideias binárias de gênero e o pensamento de que nós devemos estar fechados dentro de regras de como deveríamos nos portar ou interagir uns com os outros. Mas, como uma contadora de histórias, eu sempre dou foco às mulheres más, àquelas que são poderosas e agressivas, às sereias que afundam navios e às feiticeiras que transformam príncipes em sapos.

 

Revista Zena – Seu trabalho nos lembra os sonhos da Disney e, depois, os problemas da sociedade contemporânea. Muito paradoxal?

 

Eu gosto de começar com arquétipos familiares dos contos de fadas para, depois, ir em busca dos buracos que eles normalmente guardam, com o  fim de criar novas histórias. Eu não acredito que há realmente um paradoxo nisso – a Disney usa estes arquétipos para nos contar algo da sociedade contemporânea, eu os utilizo para contar outras versões. No entanto, as histórias, nas minhas pinturas, não tendem para o final em que a princesa e o herói se casam e vivem felizes para sempre.

 

Revista Zena – Se você pudesse mudar somente uma coisa no mundo, o que você mudaria?

 

Eu faria com que todas as pessoas pudessem ter acesso aos recursos básicos que necessitam para viver.

 

Revista Zena – Se você pudesse dizer uma coisa para todas as mulheres do mundo, o que você diria?

 

Não deixe ninguém definir quem você é e o que você pode fazer.

 

Mais sobre Jamie Vasta: www.jamievasta.com

  

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